Meu último
serviço no Yamato
Por Mitsuru
Yoshida
No dia 1o de
abril de 1945, o supercouraçado Yamato, da Marinha Imperial Japonesa, que
estava ancorado na base naval de Kure, aguardando reparos e vistoria. o grande
navio cinzento prateado avultava sobre o mar como gigantesco rochedo dominando
tudo à sua volta. Eu desempenhava a bordo as funções de oficial auxiliar de
radar.
Subitamente,
o alto-falante de bordo quebrou a quietude do ar matinal: "Iniciar às 8 horas
e 15 minutos os preparativos para zarpar; levantar ferros às 10 horas".
Forças dos
EUA haviam desembarcado em Okinawa! Iríamos nós atacá-las no embate que poderia
ser a batalha decisiva do pacífico?
Às 10 horas
em ponto o Yamato saiu ao mar. Ao pôr-do-sol lançamos âncora ao largo da praia de
Mitajiri, onde deviam reunir-se todos os navios.
Todo o
pessoal recebeu ordem de entrar em forma no convés. Envergando o uniforme cáqui
de combate, éramos 3000 homens em posição de sentido, enquanto o capitão Kosaku
Ariga nos dirigia breve alocução, expressando sua ardente esperança de que
daríamos o melhor de nós mesmos. Em seguida o capitão Nomura, o imediato,
bradou: "Possa o Yamato, como o Sopro Divino, justificando seu nome!"
Na manhã
seguinte foi avistado um B-29 americano. O avião deixou cair uma bomba de
tamanho médio, que não causou nenhum dano, mas desfez nossas esperanças de
sigilo.
Ouvi
casualmente nossos chefes dizerem que nossa investida contra o inimigo, na área
de Okinawa, deveria ser coordenada com ataques de aviões kamikaze. Haviam sido
esmagadores os contra-ataques dos aviões de combate norte-americanos aos nossos
toscos aparelhos suicidas muito sobrecarregados de explosivos. Agora era
necessário despistar as aeronaves inimigas, a fim de que os kamikaze pudessem
operar e eficazmente. Para tanto era preciso alguma coisa que atraísse o maior
número de aviões inimigos e resistisse o mais possível aos seus ataques.
O Yamato, com sua escolta, era a isca mais
provável. Assim, absorvendo nossa frota o grosso da pressão das forças aéreas
inimigas, o ataque ficaria livre para nossos aviões-suicidas fazerem terríveis
estragos.
Caso sobre
vivêssemos a essa fase, avança viemos até o meio do inimigo e faríamos o maior
estrago possível. Para esse fim estava o Yamato abastecido de munição para
todas as armas que levava. Seus tanques de combustível, por fim, só tinha
abastecimento para uma viagem de ida! Era um verdadeiro suicídio, fruto do
desespero.
Na tarde 5
de abril, o alto-falante gritou: "Preparem-se para a ração de saque... a
abrir a cantina!" os guardas-marinha foram convidados a juntar a seus
oficiais num derradeiro brinde. Mas quando um oficial-navegador ergueu seu copo
de saque, seus dedos trêmulos deixaram-no cair e espatifar-se no convés.
Olhares de reprovação convergiram para
sua cabeça, curvada pela vergonha. Todos ali presentes sabiam que a morte se
aproximava - e talvez não tardasse. E quando ela chegasse, cada um de nós
deveríamos ir-lhe ao encontro com desassombro e alegria.
Na tarde do
dia seguinte, flutuou no ar a bandeira de guerra do Yamato. Armas e equipagem em
perfeita prontidão. Às 16 horas, os remanescentes da outrora grande Esqudra Japonesa
partiram para o final. O poderoso Yamato era escoltado pelo cruzador leve
Yahagi e por 8 contratorpedeiros.
Às 18 horas
foi ordenada uma reunião e o imediato leu solenes palavras a nós dirigidas pelo
comandante chefe da esquadra conjunta (Nota do blog: Frota Combinada):
"Fazei desta operação o ponto culminante da guerra!" ato contínuo soou
o hino nacional, seguido de marchas de guerra e, finalmente, 3 vivas à Sua
Majestade Imperial.
Na ponte,
minha função era receber relatórios dos vigias e passar ao Capitão Ariga e seus
ajudantes. A minha esquerda estava o Vice-Almirante Seiichi Ito, comandante da
força; seu chefe de Estado-Maior, o Contra-Almirante Nobuei Morishita,
achava-se à minha direita. Eu me sentia feliz e muito orgulhoso.
Ao alvorecer
7 de abril e interceptamos mensagens inimigas que davam com exatidão nossa rota
e velocidade. Nossa posição estava sendo seguida minuto a minuto. Logo surgiram
2 aviões Martin de patrulhamento; descreveram um círculo pouco além do alcance
de nossos canhões antiaéreos e continuaram a acompanhar-nos.
Nossa
refeição do meio-dia foi simples e parca - arroz e chá preto, que bebemos até
empanturrar.
As 12 horas
e 20 minutos o radar o denunciou uma formação de aviões. A tensão cresceu e todos
os vigias ficaram atentos e súbito, uma grande formação surgiu roncando dentre
as nuvens e descreveu largo círculo sobre nós.
- Mais de
100 aviões! - Gritou o navegador.
A ordem de
"Abrir fogo!", dada pelo capitão, foi seguida pelo matraquear de 24
canhões antiaéreos e 150 metralhadoras. Fizeram-lhe couro as principais
baterias dos contratorpedeiros que nos escoltavam.
Um homem
perto de mim caiu morto, atingido por um estilhaço de granada. Em meio ao
estrodejar ensurdecedor das explosões, ouvi um baque surdo de seu crânio ao
bater na antepara, e senti cheiro de sangue no pálio de fumo que se elevava da
artilharia em ação.
Em nosso
flanco esquerdo o contratorpedeiro Hanakaze, atingido, começava a submergir.
Sua popa levantou-se a grande altura e, dentro de 30 segundos, ele submergiu,
deixando somente um redemoinho de espuma branca.
Riscos
prateados de torpedos podiam ser vistos convergirem silenciosamente sobre nós,
vindo de todas as direções. Navegando na velocidade máxima de 26 nós (nota do
blog: 48 km/h), ziguezagueávamos desesperadamente. O balouço e a trepidação
eram fortíssimos. Bombas e fogo de metralhadoras dos aviões choviam sobre a
ponte.
Muitas e
muitas vezes, conseguimos desviar-nos de torpedos. As 12 horas e 45 minutos
sofremos um impacto algum bordo. Pouco depois 2 bombas atingiram a pouco. A
essa altura a primeira onda inimiga se retirou.
Transmitiram
e firme uma ordem: "A sala do radar da ré avariada por bombas.
Inspecionei-a imediatamente!"
Meti-me pela
nuvem de fumaça rumo à cobertura da popa. A despeito de suas pesadas anteparas
de aço, o camarote do radar fora rachado em dois e sua metade superior estava
reduzida a pedaços. Fragmentos espalhados aqui e ali eram tudo o que restavam
de 8 seres humanos! E eu estaria com eles não fosse o meu quarto de serviço na
ponte.
Um ronco
fortíssimo aproximava-se cada vez mais. Olhando para cima, vi se acercar a
segunda onda de aviões hostis. Pensei: "Não é aqui que eu devo
morrer". Voltei correndo para o meu posto de combate. Quando começava a
subir a escada, uma explosão me fez cerrar as pálpebras. Ao abrir os olhos, um
rolo de fumaça branca se elevava do lugar onde antes era a torre de comando.
Galguei a escada por entre balas de metralhadora batendo nas chapas de aço ao
meu lado.
Nesse
segundo ataque 3 torpedos nos atingiram a bombordo, perto do mastro da ré. Nem
o invulnerável Yamato podia resistir a golpes tão esmagadores. Nosso tremendo
potencial de fogo parecia inútil. Assim que os aviões deixaram cair suas cargas
mortíferas, desviavam-se para evitar nosso fogo e metralhavam a ponte.
De vez em
quando um avião era atingido e caía em chamas no mar, porém com sua missão já
estava cumprida. A precisão e frieza com que aqueles que lutavam repetiam seus
ataques demonstravam a insuspeitada força de nossos adversários.
Uma após a outra,
as torres de artilharia do Yamato voavam pelos ares em conseqüência de impactos
diretos. Algumas bombas explodiam um pouco adiante de nós, levantando enormes
colunas de água, através dos quais avançávamos com dificuldade. Por fim se
retirou a segunda onda atacante, mas num abrir e fechar de olhos em uma
terceira, qual tremenda tempestade, acertando-nos 5 impactos a bombordo. O
clinômetro começou a registrar ligeira inclinação.
"Todos
ao trabalho, para equilibrar o navio!" -
ordenou o capitão pelo alto-falante. Tínhamos de corrigir a inclinação a
todo custo. Foi dada a ordem de bombear água do mar para as câmaras das
máquinas e caldeiras de estibordo. Prontamente telefonei para avisar o pessoal
desses compartimentos - porém já era
tarde: a água proveniente dos impactos de torpedos e das válvulas de inundação
tinham invadido as câmaras afogando os homens em seus postos, várias centenas
ao todo.
Uns 3000 m
avante o cruzador Yahagi estava inteiramente parado. Um grupo de aviões que se
preparava para mergulhar sobre Yamato mudou de rumo e crivou o Yahagi com mais
de 10 torpedos. Torrentes de espuma cinzenta remoinharam à sua volta quando ele
afundou. O contratorpedeiro Isokaze, também imobilizado, emitia rolos de fumo
negro. Dois outros contratorpedeiros, o Fuyuzuki e o Yukikaze, eram os únicos
intactos dentre as 9 unidades de escolta. Os outros 7 estavam parados, ou
adernando, ou submergindo.
Já a quarta
onda atacante se aproximava a bombordo. Eram mais de 150 aviões! Abriam novos rombos
a bom bordo, enquanto bombas caíram no mastro da meneza e no castelo da popa.
Todas as grandes peças já haviam silenciado e somente umas poucas metralhadoras
continuavam intatas. No castelo de popa, os homens tentavam desesperadamente
extinguir um incêndio.
De súbito, chegou através do fone uma comunicação do
nervosa: "Inundação iminente! Inundação iminente!" Uma detonação à ré
retombou pelo navio e as transmissões cessaram.
Desprendendo
colunas de fogo, a popa apareceu levantar-se no ar por um momento. De um ponto
perto da chaminé elevavam-se enormes baforadas de fumaça negra. Nossa inclinação
aumentou repentinamente para 35 ° e a velocidade caiu para 7 nós (13 km / h)
apenas. O inimigo veio a mergulhando através das nuvens para despachar o tiro
de misericórdia.
Deitado na
coberta eu me entesava para resistir às sacudidelas provocadas pelas bombas. O
ponteiro do clinômetro devia continuar avançando, pois ouvi o imediato
anunciar: "É impossível corrigir a inclinação".
Os homens se
misturavam em desordem no convés inclinado, porém um grupo de oficiais do Estado-Maior
se apartou ele foi-se arrastando até o Comandante Chefe. O chefe do
Estado-Maior saudou seus oficiais e entrou em seu camarote. Foi essa a última
vez que vimos o comandante da II Esquadra, vice-almirante Ito.
Do pessoal
da ponte restavam menos de 10 sobreviventes.
Vimos o
navegador e seu ajudante amarrando-se à bitácula para evitar a desdida de
sobreviver depois que o navio afundasse. Começamos a fazer o mesmo, mas o chefe
do Estado-Maior ordenou que nos atirassemos ao mar, e deu um bom empurrão em
cada homem para nos mover à ação. Deixei-me escorregar terá vigia de bombordo
enquanto a castigada nau descaía para a
incrível inclinação de 80 °.
O Yamato
começava agora a resvalar para o fundo. Enquanto ele afundava, ouviam-se
estrondos de explosão dos paióis e estouros dos compartimentos, arrebentados
pela pressão do ar. Respirando a custo, fui sorvido para baixo, empurrado para
cima, e arremessado de banda e atirado no chão. Arquejando, esperneei-me e esforcei por avançar na direção da única luz
que pude lobrigar - uma claridade cinzento-esverdeada que vinha de cima. E
então fui espantosamente cuspido para a luz do dia.
Enquanto o
navio tombado submergia, imensas línguas de fogo brotavam do mar e subiam
vertiginosamente até as nuvens escuras que pairavam sobre nós.
O óleo dos
tanques furados fez-me arder os olhos. Limpei o rosto e respiraei fundo. Em
redor de mim havia enxames de nadadores, cadáveres flutuando, pedaços de
escombros carbonizados - tudo o que restava do mais poderoso couraçado do
mundo.
Estava
caindo uma chuva de borrifos quando terminou uma batalha e outra começou - desta vez contra os ferimentos, o óleo e a
água fria. Alguns homens enlouqueceram e foram ao fundo. Outros, com ferimentos
graves, gemiam de dor. Embora o óleo negro servisse para retardar a hemorragia.
De súbito, o
Fuyutzuki dirigiu-se para nós, virou à ré para a esquerda e veio parar a 200 m
, com seus canhões ainda a vomitar fogo inutilmente contra os velozes aviões
inimigos. Em nossa demorada peleja para alcançar o Fuyutzuki o óleo negro
pareceu grosso como melado. Poucos conseguiram alcançá-lo.
De cima do
convés vozes gritavam: "Depressa! Depressa!" Dei uma arrancada para
frente e agarrei uma escada de corda. Lambuzado de sangue e de óleo,
balançava-me precariamente enquanto a escada era içada lentamente. Dois homens
de bordo me seguraram pelas mãos. Estendi-me exausto na coberta.
Tiraram-me o
uniforme e me enfiaram dedos pela garganta para me fazer vomitar o óleo engolido.
Alguém me disse: "O senhor está ferido na cabeça". Eu nem sentira que
tinha um largo talho na cabeça. Cambaleando, procurei o caminho da
enfermaria já cheia de cadáveres.
Quando
acordei na manhã 8 de abril, o sono havia restaurado minhas forças. No convés o
sol primaveril a banhava-me os olhos. A malograda sortida do Yamato havia
terminado. Estávamos a caminho da pátria. Em pouco tempo avistamos as montanhas
do Japão. A beleza do panorama tirou-me a respiração e suspirei de alegria.
Como é bom
estar vivo, afinal de contas!
Segunda
Guerra Mundial - Ultra-secreto (Seleções do Reader's Digest - Ed. Ypiranga S.A.
- 1963 - impresso no Brasil)
Cena do afundamento do Yamato.
Filme: OTOKO-TACHI NO YAMATO - MEN OF YAMATO - tradução encontrada no Youtube.
Produção 2005 - Japão.
Não encontramos legendado em português até o momento (mar/2013)
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